Pitadas de Lua

Sentimentos que vêm à tona o tempo todo, condensando-se docemente e caindo aqui, devagarinho, igual orvalho de palavras molhando cada nova manhã... escritos de Jocimar Bueno.

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Local: BH, MG, Brazil

7.30.2005

CO-MO - VI-ME



"Depois de tanto tempo
olhei-me ao espelho.

Detidamente.

E

co-mo - vi-me:

chorei"

DA AUSÊNCIA (Pitadas de Lua)



A rua arruaça a etérea linda imagem
Da menina que não mais a atravessa,
A noite é antiga, é grafite e azul,
Veste-se de vento gélido intermitente.

Onde a criaturinha amada
Que não atravessando a rua?
Tudo é sombrio e só reflexos,
Sem o olhar faiscante,
Sem sorriso de encontro.
Não recebe mais na testa
Os pingos que são pitadas de lua.

Sem ela o caminho falece,
O coração não nos obedece
Com a ausência da amada

O vazio despreencheu de graça
A encruzilhada do destino.
Minha permanência neste local
Frente a frente com tal ausência
Relembra um passado lindo,
Pobre, lindo, forte, lindo,
Ameaçador, lindo, temerário, lindo.

Desfiapa a cor anoitecida,
Desfila cores esmaecidas,
Alinhava espera(nças),
Borda desencontros,
Pesponta insatisfações,
Dobra e guarda perdões.

A ausência vai crescendo
Costurando a rua de saudade!

ATÉ PARECE QUE PASSA



A poesia nem sempre vem
Galopando nas crinas de uma nuvem
Nem sempre vem trotando
Nas rédeas do entardescurecer mineiro
Mas que vem, vem e chega quando
Eu mais preciso que ela insista
Que eu sou um nascido paulista
Terra da garoa e da fumaça
Que me repatria, eu o desertor,
Com muito carinho e amor.
A saudade até parece que passa.

PAI HERÓI

Preguiçosamente, quando a tarde
Resolve apresentar-se triste e mansa
Desperta o peito do poeta e arde
E sempre, e novamente a esperança

É quando o "Vô" vai até a geladeira
Fatia um pedaço de aromático queijo
Prepara-o com capricho à sua maneira
E degusta-o como a um bom beijo

Liga o som e ouve um animado chorinho
Espalha um guardanapo no branco peito
Desarrolha uma garrafa de branco vinho
O sentir-se privilegiado já está feito

Chama: “Iá”, mostra a particular oferenda
Que está uma delícia, orgulhoso garante
Voa a mente para algum imposto de renda
Ou rodamoínha para algum neto distante

Terminada a saborosa refeição de bom gosto
Impelido pela pressa das elétricas rodinhas
Nos pés, ilumina o olhar, altiva o bonito rosto
E sai à rua para dar suas diárias voltinhas

A noite chega, infalível, estrelada e densa
Ele retorna, com a conduta sempre sincera,
Para casa e para a “Iá”, seu amor e sua crença
Que já se preparou para estar à sua espera

Mais tarde, sem mágoa, com fé e sem bronca
Retém na retina uma generosa e forte luz
Liga o rádio, ora muito, adormece e ronca
Enquanto se desloca e conversa com Jesus.

7.24.2005

LÃ BEBIDA

Jocimar
Para Mici: a la Paulo Leminsky



Seu ventre é uva
Uva em vinho
Uva bebida

Seu ventre é lã
Lã que se bebe
Lã bebida

Seu ventre:

Uva bebida
Lã bebida
Lambida

7.21.2005

PROMETO SIM




Não prometo uma borboleta ensinada que adentre sua janela
e pouse em sua poesia disposta a criar vida,

riacho que murmure canções que arrepiem somente a você

pônei rosa para seus passeios em ilusões aromáticas,

beija-flor encantado que bamboleie no ar em torno de sua ternura prestes a se doar,

lebre fôfa que se lembre de agasalhar suas esperanças

vôos éter de pássaros que trinem amanheceres,

conta-gotas para orvalhar as pétalas das rosas do jardim do bem querer,

madrugada que seja um eterno amanhecer vivás em sua praia de alegria,

luzes lilases que penetrem em seu âmago e ofereçam o tônus da grandiosidade de Deus!


Ah! Quer saber?

Para você que é AMIGA e MULHER MENINA:

prometo sim...

QUANDO TEM MUSA




O poeta da vida abusa

Quando tem lindo sentimento

E uma muito amada musa

Não precisa nem de blusa

Muito menos de camisa

Nem mesmo de alimento

Vive de brisa

7.18.2005

REBELDIA

Não quero mansão, quero lar
Não quero coxas bonitas, quero sexo ardente
Não me venham com discurso, quero ação
Não quero engolir, quero mastigar
Não me venham com chegada, quero caminho
Não me tragam adolescência, quero inocência
Não me tragam vídeo, quero ver ao vivo
Não quero justificativa, quero verdade
Não quero visão única, quero todos os ângulos
Quero ter certeza de estar certo e ser contrariado
Quero contrariar sem ter certeza de estar certo
Não quero a concordância, quero o cutucão
Não quero a firmeza do chão, quero o ar

Quero o sonho passageiro da juventude
Mas, quero mais... é a realidade da velhice
Que conduz à juventude eterna

Não me venham com verso bem construído
Eu quero verso bem vivido, bem sentido

7.16.2005

DISFARÇANDO O DISFARCE



Disfarço o disfarce vivendo-o como realidade
Todos acreditam que estou interpretando.

Como se,
Em sendo palhaço profissional,
No carnaval do dia a dia
De palhaço me fantasiasse

Sou mesmo um palhaço
Tentando iludir que é fantasia

No desejo de que ninguém saiba
Que um palhaço sou
Vou à festa de fantasias
Fantasiado de palhaço

Quem desconfiaria de mim?

Disfarço o disfarce vivendo-o com realidade
Todos acreditam que estou interpretando

7.14.2005

PEQUENA ORAÇÃO



Você me beija
A razão da vida aparece
Que assim seja!
Você amanhece
Eu amanheço
Você acontece
Eu aconteço
Seu beijo é uma prece.

CARÊNCIA AFETIVA



A carência afetiva
Efetiva no ser solitário
Uma ânsia de amar
De se doar de modo vário
Contrário ao se desesperar

Desde que se procure...
A ciência do encontrar
É aguardar com paciência
Basta que se ature
Próprios e alheios defeitos

Depois, fazer os devidos acertos
E partir altivo para a vida
Enaltecê-la, torná-la querida
Doar o que se quer receber
Afagar com o dom do amor

Ser bom e aí se ater,
Nas solidões, alegre comparecer...

A carência afetiva
Efetiva no ser solitário
Uma ânsia de amar...
Abandonar o lado refratário
Abrir o coração, embalsamar o perdão

7.09.2005

DO QUARTEIRÃO UM CARROSSEL

É, sem dúvida, um amor.

Luta merecidamente para não merecer desespero. Preenche vagas de dúvidas, esvazia tambores de certeza, clama paciência, interroga o depois, alucina a consciência, evade e permanece: permanecido na evasão, evadido na permanência.

Um brilho, uma escuridão, um cemitério, um circo, um palhaço chorando, um recém-orfão rindo, pois o pai era ruim. Na irreverente incerteza a beleza da curiosidade. A irônica certeza do hediondo.

Luta merecidamente para não merecer desespero. A calmaria do anoitecer. Os passos conhecem de sobejo o roteiro único e esperado, estórias de repetição, a mesma anedota, o mesmo achar graça. A situação delicada; a não sabida saída.

O bairro: uma roda-gigante. As luzes: estrelas boquiabertas. De aonde não ir: o passeio. Dos degraus em mámores róseos: as nuvens. Faz da praça um restaurante. Cada minuto junto, o ultimo. Cada minuto longe, o eterno. Buscam-se e se encontram. Refletem o sorriso guardado do mistério; muito mistério! As perguntas sem respostas. A preguiça por desculpa, a mudez, a nudez, a evasiva, o desconversar.

Pernas antigas, vinda famosa. Descansos e intermináveis abraços. Beijos por experimentos. Permanência além da presença. Um guarda, um susto. Estamos namorando. A fala entrecortada. O medo. O êxtase. O desafio. O suor sempre mais perfumado. Mais beijos mais doces. Mais doces mais beijos. A despedida de quem não parte. Afeto no elogio. Olhos no relógio.

Um amor de amor!

Faz do quarteirão um carrossel.

DE RISO AMORNE

A poesia chegou cansada e disforme
Empoeirada, velha, arfante e gasta
Por minha intrincada vida enorme
Ela que fiel há tanto tempo se arrasta

Tomara que a sua experiência contorne
Minhas inconstâncias de forma casta
Faça com a crença e a ilusão uma pasta
E ao meu mutável amor de riso amorne

A poesia chegou sem nenhuma estética
Mas lindíssima por sua aguardada vinda
Ela desgasta-se, mas é divina e infinda

E até que alguma anomalia me mude
Haverei de sempre ter a fôrça poética
Envergando este indomável amor rude.

7.04.2005

QUE SABES TU?

QUE SABE VOCÊ

Myrta Silva
Tradução de Jocimar


Você não sabe nada da vida
Você não sabe nada do amor
Você é como uma nave à deriva
Você vai pelo mundo sem razão

Que sabe você de estar apaixonado?
Que sabe você o que é viver iludido?
Que sabe você o que é sofrer por um carinho?
Que sabe você o que é chorar igual a um menino?
Que sabe você o que é passar a noite em claro?
Que sabe você o que é querer sem que lhe queiram?
Que sabe você o que é ter a fé perdida?

Que sabe você se você não sabe nada da vida?

7.03.2005

EU GOSTARIA QUE HOUVESSE COISAS LEVES



Nuvens branquinhas brincando de ciranda
Criancinhas sem brinquedos disputados
Ursinho de pelúcia substituindo afetos
Beija-flor enamorado abanando mel
Chumaço perfumado de algodão rosa
Falha de o frontal dente ser indiferente
Olhar de futuro-luz de menino inocente
Um velho circo barulhento chegando

Eu gostaria que houvesse coisas leves

Brisa sibilante ao nascer do amanhecer
Pouco gelado guaraná bebido como champanhe
Primeiro dia de férias escolar
Hálito de bebê recém-nascido
Canção de esperança do Taiguara
Anão bonito e feliz no emprego digno
Vento sábio dispersando com um abraço
A poeira acumulada da solidão

Eu gostaria que houvesse coisas leves

Gafanhoto pousando de feio e simpático
Tela branca esperando a poesia pousar
No amor o humor do adeus de ficar
Sonhador ressonar do depois de amar
Valsa primaveril dos quinze anos com o pai
Focinho gelado da lebre a cheirar os beijos
Delícia do suspiro ao imaginar toque-arrepio
O locupletar-se da mulher ao saber-se amada


Eu gostaria que houvesse coisas leves

Pausa entre as palavras de Chico Xavier
Aspirar o ar do pomar florido de oxigênio
O rosto amado desfilando por beijos bons
Pétalas de rosas verdes valsando no chuvisco
Alma retornando sem cansaço ao espaço
Sementes de paina construindo ninhos
Sinfonia matinal de um pássaro livre
Mais freqüente o sorriso da netinha ausente

7.02.2005

TODOS OS POETAS SÃO MANHÃS



Todos os poetas são manhãs
por vezes, anoitecem,
mas voltam madrugadas,
primeiro...,
depois manhãs novamente.
O ciclo da vida se completa neles...
Dentro deles...
São diferentes dos outros seres;
--- eles sabem disto...
todos os dias,
todas a noites, todas as madrugadas,
todas tardes, toda vida ---
E permanecem como um radar possante
Esperando contatos de terceiro grau
Dentro de si mesmos!

MANHÃS APAIXONADAS

Pássaros são manhãs que voam
Crepúsculos são manhãs que voltam aos beirais
Entardecer são manhãs que buscam seus ninhos
Madrugadas são sonhos bonitos das manhãs
Tardes são as manhãs disfarçadas em tardes
Tudo na vida são manhãs
Os poetas
-- Pássaros feridos que são --
é que se sentem anoitecer
Mas os poetas são manhãs,
Eles o sabem...
Só eles guardam este segredo:
Os poetas são manhãs que voam em pássaros!
Pelas manhãs os pássaros clareiam, trinam...
O poeta finge que nada daquilo é ele...
e sai clareando e vai voando
Para poesiar mais um dia,
Com esperança de não mais anoitecer...
No bico leva gravetos de ternura
Nas asas o calor do afeto
Pousa no galho em flor esperando encontrar
A parceira apaixonada
Para ser feliz um pouquinho
Para saber de carinho.

Aí sim, o mundo estará salvo:
Quando as manhãs nascerem apaixonadas!